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A Evolução do Mercado Musical Brasileiro a luz da trajetória profissional de João Assis: Confira a Entrevista





Queria começar com uma pergunta sobre suas origens. Acho que seria interessante saber como as suas raízes no território do Rio de Janeiro influenciaram sua trajetória profissional no mercado fonográfico e ajudaram a moldar sua visão.


João Assis:Excelente pergunta, Nassor. Minha trajetória começa com um grupo de rap periférico. Meus amigos, como o Marcelo Flores e o Natic (que era o UR Gueto), formávamos o coletivo de rap chamado "Vândalos". Acho que você acompanhou essa época, especialmente por meio da Madu, amiga nossa em comum. Além disso, tenho origens anteriores que também influenciam essa trajetória. Minha família vem do Morro do Juramento, na Zona Norte do Rio, e sempre foi muito envolvida com pagode e samba. Meu pai foi diretor de bateria do Império Serrano por anos. Eu já dormi em barracões de escola de samba, em ensaios, tive contato com figuras como Arlindo Cruz e Pretinho da Serrinha, entre outros. Madureira tem uma importância fundamental na minha formação musical e como executivo de música.

Essas origens me levaram a fundar a Crivo, um escritório de gestão de carreira focado em artistas periféricos e negros. Meu foco sempre foi ajudar pessoas da mesma origem que a minha, e percebi que a diferença entre os artistas que conseguiam viver de música e os que não conseguiam não era talento, mas gestão. Isso me levou a fundar uma empresa para suprir essa falta de gestão. Eu venho de um lugar onde respiram funk, trap, rap e R&B, e sempre vi que esses artistas precisavam de uma abordagem mais estratégica. Quando comecei a me especializar, identifiquei essa área como minha missão. Às vezes me pergunto se minha escolha de trabalhar apenas com esses gêneros é a melhor, mas hoje minha trajetória está ligada ao meu propósito: potencializar esses estilos musicais.





Isso já conecta com o que eu pensava para a próxima pergunta, sobre R&B. Você é um grande protagonista nesse movimento e tem uma visão diferenciada ao levantar artistas desse gênero. Qual é sua relação pessoal com o R&B e como você enxerga o mercado desse gênero? Além disso, acredito que você tenha uma visão estratégica de como projetar artistas e o mercado em si. Eu, como dono de um portal de R&B, muitas vezes preciso explicar o que é esse estilo e como ele funciona. Como você enxerga isso?


João Assis:Eu imagino o trabalho que você tem com isso, Nassor. Às vezes, somos grandes tradutores culturais, não é? Eu vou parafrasear meu amigo Pablo Bispo, que sempre disse que o Brasil é uma grande peneira, e tudo o que entra aqui passa por esse filtro e vira algo novo. Eu considero o Pablo um dos maiores gênios da nossa música, e essa reflexão dele realmente marcou minha mente. Quando olhamos para os charts brasileiros, vemos que 90% das músicas mais tocadas no Brasil são de artistas locais, com letras e estilos locais. O Brasil é muito bairrista, e os artistas brasileiros dominam as paradas. Mesmo artistas como Bruno Mars, que fazem música incrível, podem não conseguir entrar no top 10 brasileiro.

O R&B, como gênero, já é o pop americano. Rihanna, Chris Brown, Usher, Ne Yo, Beyoncé, H.E.R., Ella Mai e SZA fazem parte do pop, e o R&B sempre teve essa base melódica, com influências do protestantismo americano e da música gospel. No Brasil, nossa base é mais percussiva, com influências do samba, pagode e até da bossa nova. Eu vejo um futuro positivo para o R&B, porque esse filtro brasileiro, como aconteceu com o trap, vai permitir que o R&B ganhe mais espaço aqui. O R&B tem uma melodia que se conecta com o pagode e o samba, estilos que os brasileiros já abraçam. Acredito que quando o público perceber essa similaridade melódica, o R&B vai explodir.





Agora, sobre a sua trajetória profissional, você enxergava um espaço para você no começo da sua carreira? Olhando para o mercado daquela época e comparando com o que vemos hoje, o que mudou? Quais desafios ainda existem para pessoas que vêm de uma origem periférica e têm essa visão integrada de mercado?


João Assis:Eu sempre soube que isso ia acontecer. Quando criei a Crivela e ganhei meu primeiro prêmio de startups em 2018, defendi que minha empresa focada em gestão de artistas periféricos e negros estava alinhada com o futuro do mercado. O mercado estava caminhando para esse espaço popular, onde a música de base, a música das favelas, sempre vai dar um jeito de se infiltrar. Não importa o quanto tentem empurrar a música de fora, no final é a música com a qual as pessoas se identificam que vai prevalecer. O Brasil tem uma grande população periférica, negra e das classes C e D, e é essa música que vai dominar o mercado.

Eu sempre soube que o mercado de música urbana e periférica ia crescer. E acredito que ainda há muito espaço. Por exemplo, a onda das mulheres no trap e no rap é histórica. O que as minas estão fazendo é sensacional. No rap, a próxima grande onda vai ser das mulheres. O show da Buda no Main Street Festival, por exemplo, foi impecável. Acho que a água vai vazar nesse sentido.

No que diz respeito à indústria, sempre acreditei no meu espaço, e isso me colocou em um lugar de relevância. Comecei muito cedo, e como o ditado diz, "passarinho que acorda cedo bebe água limpa". Comecei a olhar para esse mercado quando ele ainda estava efervescendo, antes de aparecer nas paradas ou nas gravadoras. O que falta ainda na indústria é uma maior representação de executivos que venham da base. Faltam mais tomadores de decisão, mais profissionais que compartilhem essa visão estratégica e que realmente tenham poder para investir na cultura negra e periférica. E acho que o próximo passo não é artístico, mas sim estratégico. Empresas, empresários, gravadoras e investidores precisam ser mais inclusivos e ter mais executivos negros ou com uma visão racializada no topo dessas organizações. Esse é o próximo passo para a nossa evolução no mercado musical.


Mas é porque faz isso aí, né?


João Assis:Uma mulher que fez história no Brasil. Ela faz história em vários lugares, mas nesse lugar ela é muito específica, né? E aí agora, e Márvila, né? E aí você vem ali abrindo espaço para várias minas no pagode. E o trap, mesma coisa. O funk aconteceu isso. Com a  Ludmila também. Com outros nomes no funk, Pocahontas e etc. Isso acontece também no funk. Então assim, sempre uma hora a água vai vazar. Eu acho que a água que vai vazar agora são as minas no rap. Sim. A próxima wave é as minas no rap. Tipo, mano, o show da Budah no MainStreet Festival ontem, como acho que tenha sido muito cedo, foi um show impecável. O show da Duquesa foi um show impecável. É canto, é rima, é balé, é banda. Então assim, eu acho que essa é a próxima onda. E sobre o que... Eu sempre acreditei nesse espaço e eu diria e apostei todas as minhas fichas nisso. Isso podia ter dado muito errado, graças a todos os meus deuses. Não deu, não deu. Eu estava certo há anos atrás. Então, isso acabou me colocando no lugar do mercado legal também, porque eu comecei muito cedo. Aquela história do pássaro que acorda cedo e bebe água limpa, eu me identifico muito com isso. Porque eu de fato comecei isso muito cedo, olhar para esse segmento muito cedo, porque eu estava ali dentro quando ele efervesceu. Ele não aparecia nos charts ainda, não aparecia nas análises das gravadoras, mas eu tava lidando com a cultura de base e vendo ele acontecer, né? O que falta pra mim, eu acho que falta... Eu não vou nem falar de diversidade, mas eu acho que falta... Tomadores de decisão mais parecidos com a base. Eu acho que mais executivos como eu. Enfim, eu acho que falta como o Dentinho na GR6. Acho que falta como o Fioti no Laboratório Fantasma. Então, eu acho que faltam mais executivos dentro dessa máquina das majors e das gravadoras indies também. One RPM, Believe, The Orchard, United Master e várias. Eu acho que faltam esses profissionais no lugar de estratégia, mas acima de tudo, no lugar de tomada de decisão. E quando eu falo de tomada de decisão no capitalismo, eu estou falando de quem investe dinheiro. Ou de quem escolhe para onde esse dinheiro está indo. Como eu fiz muitas vezes. Como gerente. Então, eu acho que o próximo passo talvez seja esse. Eu não acho que o próximo passo seja artístico. Eu acho que a gente está bem artisticamente. Acho que as meninas estão vindo, acho que a gente está bem representado. A tendência dos charts é crescer no bloco de consumo do Brasil. Mas eu acho que esse próximo passo são empresas, empresários, gravadoras, investidores. Muitas marcas colocam dinheiro na cultura preta hoje, mas essas marcas não têm donos pretos ou com pensamento racializado. E às vezes eu sei que parece uma utopia. Eu não estou aqui na autobiografia do Malcolm X, mas parece uma utopia ficar falando de ferramentas pretas e tal. A gente não detém a quantidade de pretos bilionários e milionários, é muito pequena para ficar colocando dinheiro na gente, porque é assim que a máquina do capitalismo roda. Mas pelo menos numa posição de diretores, numa posição mais sênior, numa posição mais plena dentro das empresas. Eu acho isso. E eu acredito muito no poder desses profissionais mais jovens assim. Eu gostaria, eu sei que sou a letrista da minha parte, mas quando o assunto é música, a gente precisa da visão mais fresh possível, porque ainda mais agora com essa tendência de conexão com a tecnologia, com a I.A., a gente precisa entender, pra ontem, como inserir isso dentro do nosso mercado. Então acho que os próximos passos são por aí também.





Ok, a gente já tá infelizmente, no finalzinho do tempo, mas eu queria também já emendar em três coisas que foram levantadas, claro, que a galera quer saber, quer spoiler de Ludmilla, né? Queria que você falasse um pouco também sobre isso, assim, a sensação, , acho que no nível profissional e pessoal, né, e o que você também tem de vislumbre, , de próximos passos e também falar um, acho que, nessa mesma pegada de olhar retrospectivo, mas olhar para frente, né, pessoas que têm você já como exemplo, por exemplo, eu não sabia de ninguém para citar, né, agora eu tenho, e como muitas pessoas têm, ? Então, para um jovem que aspire, , uma carreira, o que, assim, como você tinha essa visão? Que conselhos você daria para essa pessoa? Para como que passos, assim, acho que, que horizontes, que referências, assim, sei lá... então um hack para essa pessoa que está te acompanhando, né, que tem você como referência, que tem muitas pessoas que te têm nesse lugar bem querido.


João Assis: Boa. Cara, tá sendo uma honra pra mim esse momento com a Ludmilla. Porque eu já achava ela muito incrível, eu já era muito fã da Ludmilla antes de trabalhar com ela. Mas agora eu sou um admirador absurdo. Porque ver o que essa mulher consegue fazer no estúdio é de um talento, de um conhecimento popular, que dá inveja. Uma inveja positiva. Admiração muito grande. Ela tem uma capacidade de entender o que o público quer gritar. Acho que esse é o maior superpoder da Lud. Ela sabe o que o público que vai no show dela quer gritar. E ela não leu nenhuma pesquisa do IBGE, não fez uma pesquisa. Embora eu esteja com ela alguma, mas assim, é muito o feeling dela, ela sabe, ela... Enfim, acho que ela capta essa energia popular muito forte. Não posso dar muito spoiler sobre a Lud, só que ela está trabalhando muito para futuros projetos, futuros lançamentos. Acho que ela está muito dedicada, é uma mulher muito dedicada e está sendo muito bonito pra mim ver o quanto ela está focada na música, o quanto ela está dedicada. Então, posso dizer pra vocês esperarem um excelente lançamento, porque ela está vindo com tudo, está muito motivada agora com a bebezinha também. É um momento muito bonito da vida dela, então acompanhem. E para a galera que quer trabalhar com música e que enxerga na minha trajetória uma possibilidade, eu gostaria de dizer que vocês sempre devem estudar e estar atentos ao que está acontecendo na música, não só de forma digital, mas tentar estar com a base, com o que está acontecendo nos eventos, com o que os DJs estão tocando, nas festas novas que estão aparecendo, nos artistas do underground, no underground fora do Brasil também, na América Latina, que eu acho que isso dá uma perspectiva do que está rolando no mundo. Vou indicar para vocês duas formas de ficar por dentro de música local muito boa. A primeira é um aplicativo chamado... Deixa eu abrir ele aqui. É o TuneIn Radio. Esse aplicativo é um app de rádio global. Então você consegue... É TuneIn, né? TuneIn. E aí você consegue ver rádios do mundo inteiro. Então você consegue ouvir rádios de Ohio, Atlanta, México. Enfim, ele é um aplicativo bem legal. Ele tem o Mapa Mundi. E aí você consegue ficar transitando pelo Mapa Mundi e conhecendo rádios por gênero, por segmento e ouvir música do mundo inteiro. Eu amo esse app. Eu conheço uma pessoa falando: “Meu Deus do céu, quem é você, Shazam?” E assim, eu também gosto muito de ficar ouvindo o Top 50 de vários lugares do mundo diferentes. Abre o Spotify, pesquisa o Top 50, cara, escuta o Top 50 colombiano, escuta o Top 50 francês, tira um domingo, tira um domingo e vai ouvir música de outros lugares do mundo, escuta o Top 50 de, sei lá, cada domingo você escuta de dois países diferentes, eu gosto muito de fazer isso, é, pra ficar inteirado do que está acontecendo, do que está explodindo nesses lugares do mundo. E acima de tudo, reconheçam que vocês são artistas também e criadores também, só que, de repente, você não está no palco, mas você brilha em outro lugar. Então, ache o seu diferencial competitivo, o seu método de trabalhar, a sua forma de enriquecer o trabalho do artista. Porque o Enar, além de ser um cara numa gravadora que contrata, ele também é o artístico e o repertório. Você vai escolher, junto com o artista, a música que ele vai colocar no mundo. Se o artista tem 50 músicas em um mês, ele não vai conseguir lançar todas. Quem vai ajudar ele a escolher a melhor música para ele lançar vai ser você. Olha a importância disso. Porque o artista é o criador. Ele vai ficar ali criando, criando, e aí você tem uma instituição que é uma gravadora ou uma label, que tem interesses, que tem que ser rentável, e de outro lado você tem um artista com depressões, felicidades, euforias, momentos de vida. Você tem que casar a felicidade desse artista com o interesse da label e com o que o público quer ouvir. Então, assim, é isso. Ache o seu diferencial, a forma como você trabalha de maneira respeitosa com o artista. E é isso, galera. Buscar sempre estar atenta, estudando. O curso de Música e Negócios da PUC do Instituto Gênesis é muito bom, indicaria pra todo mundo também.


Enfim, queria agradecer a possibilidade de a gente ter essa conversa e quem sabe um dia a gente faça um podcast, nossa, que inspirado aqui, o amigo tá muito... Ficaria legal. Então, acho que é muito, muito obrigado, João. Só a pessoa acompanhando assim, né? E sempre te cito como referência de coisa positiva.


João Assis: Acho que, assim, é um veículo muito importante. Tava, assim, a gente tava necessitado de um portal, assim, um pouco mais fechado. A gente vive numa era em que os nichos tão... A gente tem que entender que a gente está numa outra fase. O Casimiro era nicho. Hoje ele é o maior comunicador do Brasil. Era o nicho futebol. Hoje ele é o maior comunicador jovem do Brasil. Então, assim, acho que a R&B Brasil está no caminho certo...parabéns por essa iniciativa.





Nassor de Oliveira Ramos é cientista político, articulador cultural e criador da @rnbbrazil.

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